Não é que a vida esteja uma maravilha em outras áreas e o brasileiro não se preocupe mais com economia, questões sociais, corrupção, educação e saúde. Esses assuntos ainda preocupam bastante. Mas a sensação de insegurança nos principais centros urbanos do país é tamanha que a violência suplantou as outras áreas e se consolidou como a maior preocupação do Brasil.
De acordo com a pesquisa Quaest divulgada na quarta-feira (4), sobre a avaliação do governo Lula, a maior preocupação dos brasileiros é a violência, com 30% das respostas dos entrevistados. Em segundo aparecem as questões sociais, com 22%, a economia com 19%, corrupção com 13%, saúde com 10% e educação com 6%, entre os grandes problemas nacionais citados pelos eleitores.
Em agosto de 2023, apenas 10% dos brasileiros entrevistados pela Quaest colocavam a violência como principal problema do país, deixando o tema em quarto lugar no ranking. Naquele ano a economia era a principal preocupação, com 31% de citação na pesquisa. As questões sociais ficavam em segundo lugar com 21%, seguidas pela saúde em terceiro, com 12%. Em apenas dois anos, o tema da violência escalou 20 pontos percentuais para virar o principal problema do Brasil na opinião dos entrevistados.
O advogado Fernando Capano, doutor pela Universidade de São Paulo (USP) especializado em Direito Militar e Segurança Pública, lembra que no mesmo período houve uma queda sensível no número de homicídios, principal indicador de violência, principalmente em estados do Sul e Sudeste, além de Goiás, mas que isso não foi suficiente para aumentar a sensação de segurança do cidadão.
“No outro lado, em cidades importantes os crimes cometidos contra o patrimônio aumentaram bastante. São furtos e assaltos a mão armada contra transeuntes, com foco no celular, furtos de veículos, roubos a residências, comércio e empresas no geral”, explica.
Metodologia: pesquisa Quaest ouviu 2.004 pessoas entre os dias 29 de maio e 1º de junho em 120 municípios brasileiros. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, com grau de confiança de 95%.
Homicídios em queda, facções em alta: o retrato da violência no Brasil
Entre 2022 e 2023, houve redução de 2,3% na taxa de homicídio por 100 mil habitantes no Brasil. Com isso, o país atingiu o índice de 21,2, o menor dos últimos 11 anos. Mesmo assim, 45.747 pessoas foram vítimas de homicídios, média que ultrapassa 125 por dia.
Os menores indicadores de homicídios por 100 mil habitantes estão localizados nos estados do Sul, além de São Paulo, Distrito Federal e Minas Gerais. Já as maiores taxas se concentram nas regiões Norte e Nordeste. Os dados são do Atlas da Violência 2025, publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) com a colaboração do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
De acordo com dados da Secretária de Segurança Pública de São Paulo, o estado alcançou os menores índices dos crimes de homicídio e de roubo em 24 anos no final do ano passado. Mas o número de homicídios dolosos na cidade de São Paulo aumentou 16% no primeiro bimestre deste ano em comparação a 2024. As tentativas de homicídio também aumentaram 51%, e os estupros cresceram 30%. Os latrocínios caíram 25% e os roubos, 14%. Os furtos cresceram 3%.
Para Capano, a concentração deste tipo de crimes em áreas nobres das capitais, com casos de grande repercussão na imprensa, fazem com que a sensação de insegurança onde a concentração de eleitores é maior seja alta. A cidade de São Paulo, por exemplo, registra um roubo ou furto de celular a cada três minutos, mesmo com uma queda de 5% no primeiro trimestre deste ano em relação ao ano passado. Pinheiros, bairro tradicional de alto padrão na zona oeste, teve 1.023 ocorrências no período. Em 2024, a delegacia local registrou 3.569 assaltos, o recorde da série histórica iniciada em 2002.
“A segurança pública tem muito desse componente de sensação, que as pessoas sentem que têm ou não tem nas ruas das cidades. Acredito que as políticas públicas estaduais e federais para a área não estão funcionando”, avalia o especialista na área.
Outro fator que tem chamado a atenção da população brasileira e aumentado a sensação de insegurança é o descontrole sobre as facções criminosas no país. Enquanto o Primeiro Comando da Capital (PCC) tem focado suas forças no tráfico internacional de drogas e no domínio territorial na capital paulista e interior, o Comando Vermelho está em franca expansão de suas atividades ilícitas Brasil afora.
A facção criminosa tem investido na grilagem de terras em Ubatuba, no litoral norte de São Paulo, e na capital do Mato Grosso, Cuiabá para além do Rio de Janeiro e Baixada Fluminense. Além disso, de acordo com a Associação dos Provedores do Ceará (Uniproce), pelo menos cinco provedores de internet encerraram as operações no estado nordestino devido a ataques e ameaças de grupos criminosos à infraestrutura e aos funcionários das empresas neste ano. Desde fevereiro, os ataques acontecem em Fortaleza, Caucaia, Caridade e São Gonçalo do Amarante.
“As notícias sobre as facções são cada vez mais alarmantes: infiltração do PCC na polícia em São Paulo e a expansão territorial do Comando Vermelho. As pessoas estão vendo, sendo impactadas diretamente por isso e não parece haver uma resposta adequada de qualquer esfera do poder público para o problema”, alerta Capano.
Segurança pública: a "bola da vez" nas eleições de 2026
Na avaliação do cientista político Samuel Oliveira, a violência no Brasil será o principal tema em debate nas eleições de 2026, que colocará as propostas dos candidatos para a segurança pública em destaque durante as campanhas eleitorais. "Isso tem tudo para ser o grande tema e a bola da vez nas eleições presidenciais no ano que vem", afirma.
Na opinião dele, o atual cenário pode representar uma certa vantagem para o campo da direita. "Essa sempre foi uma pauta, uma bandeira, muito mais ligada ao espectro da direita política, que cola mais no eleitor com esse perfil. Mas a pesquisa mostra que o tema da violência e da segurança segue crescendo na preocupação das pessoas e extrapola um eleitorado específico”, analisa.
O PT e outros partidos de esquerda podem sentir os reflexos nas urnas do tema em alta na sociedade brasileira, segundo o cientista político, devido ao posicionamento histórico sobre as pautas da segurança pública. “A esquerda tende a sofrer mais com o mau humor do eleitor nesse assunto, já que tende a ser associada com um discurso mais leniente em relação à criminalidade de várias lideranças, privilegiando o aspecto dos direitos humanos dos bandidos e condições carcerárias”, comenta Oliveira.
Cientes do problema e da percepção dos eleitores, o governo Lula tenta reagir a tempo do pleito do ano que vem, enquanto governadores da oposição com pretensões de alcançar o Palácio do Planalto se equipam para o embate.
Na última quarta-feira, o governador do Paraná, Ratinho Junior (PSD), anunciou a contratação de 620 novos agentes para a Polícia Civil do Estado. Serão 500 agentes de polícia judiciária, 80 delegados e 40 papiloscopistas aprovados no concurso público de 2021. Somente em 2025, serão 746 novos agentes na Polícia Civil, a maior contratação da história da corporação.
No estado, o número de roubos caiu 20,5% no primeiro quadrimestre de 2025. No primeiro trimestre, os homicídios dolosos caíram 26,3%.Trata-se do quarto ano seguido de queda nos indicadores de homicídios para o 1º trimestre.
Outro pré-candidato à Presidência da República, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União Brasil), tem números sólidos na área para mostrar. A violência no estado registrou queda de até 97,6% no roubo de cargas entre os anos de 2018 e 2024, conforme balanço da Secretaria de Segurança Pública de Goiás (SSP-GO). Roubos de veículos caíram 93,7%, roubo a transeunte 88,5%, roubo a comércio 88,3% e latrocínio, 84,7%. No homicídio doloso, a redução foi de 57,2%. Mais da metade dos municípios goianos, 128 no total, não registrou nenhum assassinato em 2024.
Com essa vitrine em um assunto tão estratégico para as eleições de 2026, Caiado não abraçou a PEC da Segurança Pública do governo federal — uma espécie de “tábua de salvação” do presidente Lula no combate à violência no Brasil, às vésperas das eleições.
A Proposta de Emenda à Constituição foi enviada pelo governo federal ao Congresso Nacional e aprovada pelo Senado, mas ainda tramita na Câmara dos Deputados e pode não sair de lá antes das eleições.