Na cidade onde até a pólvora virou inimiga pública, a Câmara Municipal de Patos resolveu declarar guerra aos fogos de artifício com estampidos. Um passo civilizatório? Talvez. Um voo no escuro com clarões filosóficos? Com certeza. O Projeto de Lei 105/2025, apresentado pelo vereador Rafael Policial, ganhou os holofotes por sua defesa de autistas, idosos e animais — vítimas legítimas dos estouros desnecessários. A causa é nobre, sim. O problema está no alvo.
Enquanto os fogos estouram esporadicamente, nos picos juninos, o barulho constante que ensurdece, adoece e perturba o trabalhador acontece diariamente, nas madrugadas, por sirenes ilegais instaladas nas motos dos “Guardas Noturnos” — aqueles justiceiros de aluguel que mais parecem vigilantes do apocalipse. Sirenes estas proibidas pelo artigo 29, inciso VII, do Código de Trânsito Brasileiro, que diz com clareza que só veículos de emergência, como ambulâncias, viaturas policiais e de bombeiros, podem usar sinais sonoros e luminosos especiais. Mas parece que, por aqui, o barulho da ignorância fala mais alto que a lei.
E aí entra o “Cavaleiro do Zodíaco”, vulgo vereador Josmá Oliveira, que montou no voto contrário como um vaqueiro em dia de pega de boi. Tinha nas mãos uma chance de ouro para atacar o uso irregular das sirenes — que incomodam diariamente muito mais que qualquer rojão de São João — mas preferiu lutar em nome dos fogueteiros da Rua do Meio. Até louvável a preocupação com os pequenos produtores. Mas, se a causa é o barulho, então sejamos coerentes: que se combata o estampido das sirenes também, não apenas o dos fogos.
A verdade é que, em Patos, a hipocrisia se mascara de projeto de lei. Os vereadores, que agora se erguem como guardiões do silêncio, não ouviram — ou fingiram não ouvir — o grito mudo dos que sofrem, insones, entre 22h e 03h30. O barulho é seletivo. Os fogos incomodam, mas as sirenes, não. A pólvora, proibida; o escapamento aberto da “sirene da moto do guarda”, ignorado.
E os tais “Guardas Noturnos”? São os novos “anjos da guarda” terceirizados. Vendem segurança de fachada com apito e giroflex clandestino. Prometem vigilância, mas entregam susto e insônia. Passam gritando e iluminando as ruas como se fossem as próprias almas penadas da falência estatal. É o Estado que falhou e agora terceiriza a fé do cidadão à esperança mística de que um homem de moto — com um colete e uma sirene — o salvará do crime organizado.
Acreditar nisso é como crer em “Papa-Figo”. Ou melhor, é como crer que os filósofos foram loucos — e foram. Mas a loucura deles ao menos fazia sentido. A nossa, contemporânea, é insana e burra. É uma crise existencial onde o povo se apega ao que resta: o barulho. Barulho da omissão, do cansaço, da ignorância travestida de projeto.
E assim, seguimos. Entre estampidos proibidos e sirenes toleradas, entre fogos artesanais e leis pirotécnicas, entre vereadores seletivamente surdos e guardas barulhentos ilegais, o povo dorme — ou tenta. Porque o único silêncio garantido hoje em Patos é o da razão.
A explicação? As autoridades dormem em mansões com sistemas que impedem que o barulho adentre seu aconchego, enquanto o pobre tenta dormir com um ventilador barulhento e o “barulho das sirenes” — e ainda paga pelo serviço, satisfeito ou não, mas crente de que funciona.
CR10 na área “BILANDO” a cidade.