O Congresso pôs abaixo a tentativa do governo de arrecadar mais com o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Ao todo, as alíquotas mais altas duraram pouco mais de um mês – o primeiro decreto do governo foi publicado em 22 de maio e o aumento foi sustado pelo Congresso na última quarta-feira (25). A questão é se o contribuinte conseguirá receber de volta o que pagou a mais.
Na avaliação de especialistas consultados pela Gazeta do Povo, empresas e pessoas físicas podem ter dificuldade para recuperar o dinheiro extra que repassaram ao governo enquanto vigorou o aumento do IOF, tendo em vista a reticência da Justiça em reconhecer o direito a restituição. Mas há possibilidades a explorar, a depender do tipo de operação tributada.
Marcela Cunha Guimarães, especialista em Direito Tributário e sócia do escritório Marcela Guimarães Sociedade de Advogados, disse que é preciso avaliar as operações sobre as quais o IOF incidiu para verificar a viabilidade de ação buscando a restituição.
“A resposta dependerá da situação concreta. Em alguns casos, discute-se que os decretos impuseram a cobrança do IOF sobre operações que não estavam previstas em lei — como aportes em VGBL ou antecipações de recebíveis sem coobrigação —, o que pode configurar violação ao princípio da legalidade tributária", explica.
Nessas hipóteses, a cobrança poderia ser inconstitucional, abrindo caminho para a restituição dos valores pagos. Já em outras situações, ainda que a alteração de alíquota tenha ocorrido dentro dos limites legais do decreto promulgado pelo governo, há espaço para contestação judicial quando a medida tiver sido adotada com finalidade exclusivamente arrecadatória, e não regulatória — como exige a natureza extrafiscal do IOF.
Nesse caso, a discussão terá por base o desvio de finalidade da cobrança do imposto, o que poderia comprometer a validade do decreto que estabeleceu a alta do IOF. “Assim, embora não haja garantia de êxito, há base jurídica para a discussão, sendo o prognóstico de risco dependente da análise do caso concreto”, concluiu a advogada.
Uso "enviesado" do IOF vem de longa data
Carlos Pinto, diretor do Instituto Brasileiro de Planejamento e Tributação (IBPT), também afirma que as empresas que arcaram com a alíquota elevada do IOF têm legitimidade para buscar a devolução via ação judicial de repetição de indébito.
No entanto, ele explica que, apesar da viabilidade técnica, o Judiciário costuma ser cauteloso ao reconhecer o desvio de finalidade de tributos regulatórios como o IOF, especialmente quando a cobrança ocorreu sob norma vigente.
“No entanto, a discussão permanece aberta, e empresas, sobretudo as do Simples Nacional, podem ter argumentos relevantes para questionar a legalidade do aumento. Mas geralmente não há registros de decisões favoráveis", disse.
O advogado tributarista Luís Garcia, sócio do Tax Group e do MLD Advogados Associados, também vê poucas possibilidades de as empresas reaverem os valores pagos com o aumento do decreto do IOF pelo governo.
“Isso seria viável se a revogação tivesse expressamente previsto esta possibilidade", disse o jurista. Sobre uma possível alegação de uso de um tributo regulatório como arrecadatório, Garcia afirma que o argumento tem poucas chances de prosperar no Judiciário, posto que o uso "enviesado" do IOF é de longa data.
Governo pode tentar reverter decisão da Câmara
Desde o anúncio da decisão de derrubada do decreto do IOF, o governo tem discutido internamente as possibilidades de reverter a decisão do Congresso. Uma das possibilidades, inclusive mencionada pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, é levar o caso ao Supremo Tribunal Federal (STF), que avaliaria a constitucionalidade da decisão do Congresso.
Na sexta-feira (27), o ministro afirmou que, caso a Advocacia-Geral da União (AGU) entenda que a medida do Congresso é inconstitucional, o governo deve recorrer ao STF para anular a derrubada do decreto do IOF.
Também na sexta-feira, antecipando-se a uma decisão do governo, o Psol entrou com ação no STF contra a decisão do Congresso que sustou o decreto do IOF.
Até o momento, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não decidiu se recorrerá ou não ao STF na questão do IOF. Segundo interlocutores do Planalto, o presidente receia que a medida possa agravar a crise institucional com o Congresso.